![]() | |
|
Os dois filósofos suecos
Alexander Bard e Jan Söderqvist já haviam detectado que em uma rede distribuída
como a internet, "todo ator individual decide sobre si mesmo, mas carece
da capacidade e da oportunidade para decidir sobre qualquer dos demais atores".
Essa tese foi testada pelo
poderoso governo norte-americano quando, em dezembro de 2010, agiu de modo
contundente sobre os provedores para retirar o site do Wikileaks da rede. Em
menos de dois dias, foram criados mais de 800 "sites espelhos" nos
cinco continentes, que replicavam exatamente o conteúdo do site bloqueado.
Se a liberdade de expressão e de
opinião distribuídas pelas plataformas da rede incomodam sobremaneira os
setores que definem as razões de Estado como princípio superior, a liberdade de
criação de novas tecnologias, aplicações ou formatos têm preocupado e colocado
em risco os velhos modelos de negócios de grandes corporações erguidas no mundo
industrial.
Assim, a natureza aberta da
internet torna-se alvo de parte da indústria de intermediação cultural e de
grandes corporações de telecomunicações.
Em 1989, Tim Berners-Lee
desenvolveu o modo gráfico da internet. Até 1999, Shawn Fanning e Sean Parker
não haviam criado o Napster, considerado um dos precursores das redes P2P, que
mudaram o modo dos jovens acessarem arquivos digitais em todo o mundo. Foi em
abril de 2001 que Bram Cohen lançou o protocolo BitTorrent; Janus Friis e
Niklas Zennström desenvolveram o Skype, em 2003. Hurley, Chen e Karim criaram o
YouTube em fevereiro de 2005. Jack Dorsey deu vida ao microblogging Twitter em
2006.
Nenhum desses criadores teve que
pedir autorização para governos ou corporações para desenvolver e distribuir na
rede suas invenções e plataformas tecnológicas.
A internet, até o momento, é uma
rede aberta, não proprietária e desenvolvida colaborativamente, a partir dos
esforços de empresas, universidades, técnicas e técnicos de órgãos públicos e
da comunidade hacker. Para acessá-la, não precisamos recorrer a centros
obrigatórios, tal como ocorria na rede de computadores francesa chamada
Minitel. São os protocolos da internet que asseguram esse fantástico arranjo
comunicacional.
Entretanto, quem controla a
infraestrutura de conexão pode controlar o fluxo de informações. Dito de outro
modo: os donos dos cabos e fibras ópticas por onde passam os fluxos de
informação podem filtrar e bloquear os pacotes de dados.
Se o dono da infraestrutura de
cabos e fibras ópticas não for neutro em relação aos conteúdos e aplicativos
que nela trafegam, estaremos subordinando a liberdade de criação aos seus
interesses, sejam econômicos ou políticos.
Na internet, não pedimos
autorização para nenhuma corporação ou Estado para criarmos e lançarmos um novo
aplicativo ou plataforma. A liberdade tem sido a maior força e fonte de
inventividade e criatividade. Emprestando os termos do jurista Lawrence Lessig,
perderemos diversidade e intensidade criativa se substituirmos a lógica da
liberdade pela lógica da permissão.
A possibilidade de criar
livremente um novo aplicativo, uma nova tecnologia ou um novo protocolo será
gravemente afetada e comprometida com a quebra da neutralidade da rede.
Hoje, em todo o mundo, há um
grande embate entre as operadoras de telecomunicação e os defensores da
liberdade e diversidade culturais. O oligopólio da telecom pressiona os Estados
nacionais e suas agências reguladoras para aprovarem legislações que assegurem
a possibilidade deles filtrarem, bloquearem e pedagiarem o fluxo de informações
no ciberespaço. Isso implicará na permissão para que se tornem
"gatekeepers" da criatividade. Precisamos defender a liberdade de
criação tecnológica.
SERGIO AMADEU DA SILVEIRA, doutor
em ciência política, é professor da Universidade Federal do ABC e membro do
Comitê Gestor da Internet no Brasil.







Nenhum comentário:
Postar um comentário